Outubro. Cidade lotada, totalmente abarrotada, gente saindo
pelo ladrão. A tradicional Oktoberfest de Baierão do Norte esse ano recebia o
seu maior público desde que Fritz, um alemão filho de alemães e neto de alemães
tinha criado a festa, em 1962. Hipérboles e superlativos ao gosto do cliente,
esse ano quantificação de turba, povaréu, turma e multidão ganhava um novo
significado.
Diversos tipos, variadas vontades, objetivos diferenciados.
Todo tipo de gente: tinha gente falando de gente, gente observando gente, gente
que só naquela época era gente e até alguma gentinha, é claro, daqueles zé
povinho, sabe? Como bem disse uma repórter que cobria o evento, em ex-clu-si-vi-da-de
para a rede local, “Gente! Aqui realmente tem muita gente!”.
O evento era mágico. Barracas com produtos típicos, de
mostardas a chucrute, moças lindas vestidas de tradicionais alemãs, tendas
vendendo salsichas e linguiças dos mais variados tamanhos e colorações e,
obviamente, cerveja. Muita cerveja. Nesse momento me ocorre uma dúvida mortal e
morrer sozinho com ela me mataria: Era mais gente ou mais cerveja? Não sei.
Durante quatro dias de evento os cidadãos e os milhares
(seriam milhões?) de frequentadores provariam desde aquele delicioso sanduíche
da Barraca da Helga, uma descendentes de alemães que tinha mais buço que meu
sobrinho de 19 anos, um especial apfelstrudel
que daria desejos ao Coronel Landa, de um daqueles clássicos filmes do
Tarantino, e os todos os mais variados tipos de cerveja. Ales e lagers, de
weissbier a stouts, passando por porters, witbiers, trapistas, brown, red e
pale ales. Isso sem falar em todos os tradicionais cânticos alemães.
E as pessoas comiam, bebiam e cantavam. Começavam com um
sanduíche de linguiça, uma witbier pra abrir o apetite e uma tradicional canção
alemã. No meio do dia alguns já se empanturravam de chucrute, bebiam pesadas
porters e berravam obscenos gritos de torcidas. E no fim, bom, no fim a maioria
já comia cerveja molhada no pão, se lambuzava com mostarda preta e cantava
canções tatibitates que as crianças aprendem no maternal. Resumidamente, ali
estava escarrado um retrato da felicidade reduzida à sua mais singular síntese.
Como não poderia deixar de ser, o ponto alto da festa era aquilo
que misturava muitas pessoas e muita cerveja. A disputa de quem bebia mais provetas
de chope à metro da Schroder Bier, a patrocinadora do evento, movimentava as
bancas de aposta e fazia ricos os tradicionais pés de cana da cidade, que conheciam
como ninguém os únicos capazes de virar uma cerveja como se estivessem
assistindo um especial sobre bandeiras da Alemanha Oriental.
O pule de dez desse ano era o Zeca Bituca, o vencedor dos
dois anos anteriores e o criador do “Engana morte”, uma bebida que misturava
sete tipos de destilados, dois ovos de codorna, uma cereja e uma minhoca recém
tirada da terra. Bêbado nato, sua fama o precedia e correm boatos que um médico
uma vez descobriu um segundo fígado alojado entre o coração e o pulmão.
Outros fortes candidatos estavam inscritos e a disputa desse
ano já era descrita pelos mais entendidos como a mais concorrida desde a festa
de 73, quando Carlos Batata venceu Preguinho por uma diferença de 2 segundos,
graças a uma estratégia nórdica de absorver cerveja no bigode que ele havia
aprendido na Suécia dois anos antes. Mas a prova desse ano prometia mais.
Com todos os candidatos posicionados na mesa principal,
belas moças segurando as bebidas e a multidão ouriçada, a competição começou
com uma pequena vantagem de Zeca, acompanhando ainda por dois forasteiros que
eram constantemente vaiados e chamados de “guela fina” e o filho da dona Helga,
certamente um possível herdeiro da tática de Batata, dados os seus genes.
Inflamados pela cerveja, ou pelas moças que no palco estavam
e faziam uma dança que em nada lembrava a sobriedade alemã, exceto pela
perspicaz observação de alguns que o movimento dos quadris de uma delas
lembrava as formas de uma suástica, os espectadores urravam a cada golada e a
atmosfera era de final de Copa do Mundo.
Eis que do nada, assustada por uma bombinha soltada por um
daqueles alemãezinhos de calças apertadas, uma vaca escapou do curral e,
desabalada, atravessou em cheio as estruturas do palco e jogou pelos ares todos
que em cima estavam, inclusive as provetas e toda a cerveja lamentavelmente
desperdiçada.
Confusão geral. Alguns já cantavam vitória para o Zeca,
outros ainda xingavam os forasteiros, uma ala mais rebelde jogava copos cheios de
cerveja no palco, dizendo que aquilo era marmelada, e a maioria se encontrava em
um estado de hipnose profunda com as pernas das moças que balançavam no ar.
Recorreram às filmagens. Zeca havia bebido cinco provetas,
os forasteiros quatro e três, cada um, o filho da Dona Helga se babou na
segunda proveta e deixou a barba postiça cair e o vencedor, para a surpresa
geral foi seu Severino, que havia trabalhado montando o palco e só se inscreveu
porque estava com sede, com incríveis sete provetas.
Consternação! O Zeca pediu recontagem, os forasteiros
fugiram antes que fossem linchados, o filho da Dona Helga sumiu de vergonha, e
o “Seven”rino, como os jornais o chamariam no dia seguinte, saiu exclamando,
exibindo um sorriso sem os dois laterais e o homem de frente inferior:
- Isso aqui é Cascadura, mermão!
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