segunda-feira, 26 de maio de 2014

Coisas que eu sei

Não, não tem absolutamente nada a ver com aquela música chiclete de uns tempos atrás. Aliás, faltou uma negação ali no título, o que possivelmente indica mais uma das coisas que eu não sei fazer: Dar título às coisas.

Só pra você ver, na época de escola me ensinaram que o ideal era escrever um texto e, só ao final, com tudo assentado e escarrado no papel, o título deveria ser escolhido e colocado lá em cima. É meio como uma lápide, sete palmos de parágrafos acima do desenvolvimento e que descreva em uma frase a vida prosa de uma página inteira que acabou de ter um ponto final. Enfim, eu sempre queria mostrar toda a minha cultura, fazia associações mirabolantes e no final, quando vinha a correção, eu tinha perdido o ponto em questão por chamar de “Sobre boleros & farofas” um texto sobre a televisão.

Mas esse não é o assunto do texto, e sim coisas as que eu não sei fazer na vida. É engraçado ver como o ser humano sempre se une na tristeza e no constrangimento, dificilmente na alegria. Pode apostar, nem todos iremos degustar uma Bistecca alla Fiorentina em uma autêntica cantina em Florença, mas todos nós já passamos pela situação de encontrar no restaurante, no dia seguinte, a menina com quem se atracou na festa de ontem.

Pouquíssimos de nós verão as pernas da Juliana Paes na primeira fileira de um teatro, mas muitos irão encontrar no elevador os vizinhos que minutos antes se amavam – e contavam pro prédio inteiro – o porque da expressão “Se amaram como cães no cio”.  Quase nenhum de nós ganhará um carro vermelho adesivado “Show de Prêmios do Amaral” em um bingo de dia das mães, mas todos nós encontraremos aquelas ex-namoradinhas de infância para quem nos declaramos e hoje morremos de vergonha disso. Em suma: Isso aqui é nada mais que uma ode ao constrangimento e embaraço.

Vejamos: Uma coisa em que poucos são expert em não saber fazer é se despedir de alguém que acabou de conhecer ao sair de um curso, por exemplo. É uma sucessão de “Você vai pra lá?”, “Vamos por aqui”, uma infinidade de buscas por um espaço suficientemente grande para dois passarem e esperas infinitas para que o sua mais nova amiga de agora chegue ao seu lado e você continue sua história.

E a coisa sempre ocorre mais ou menos assim:
- Cê tá indo pra onde?
- Pra lá!
- Hmmm, vambora então.
E engata na conversa.
- Então tá bom, eu vou ficar aqui que eu vou pra lá.
- Ah também posso ir.
- Então tá.
E a conversa volta. Interrupção:
- Eu vou ficar aqui que eu preciso virar nessa rua.
- Eu também.
- Haha, então tá.

E só nesses três quarteirões você já se despediu da pessoa três vezes e continua a caminhar ao lado dela. Estranho. Sorte sua que ela não pega o Metrô.

Situação análoga ocorre quando você encontra essa mesma amiga, agora um mês e meio após o início do curso, quando a intimidade é alguma mas bem pouca, numa loja no shopping. Chamemos essa fatídica nêmesis de Claudinha.

Os dois se veem, olhares se cruzam, você cumprimenta a pessoa, reclama do professor e se despede. Diz que precisa comprar algo pra sua mãe e que tá com pressa porque é aniversário e precisa esconder o presente antes que ela chegue em casa. 

Certo de que nunca mais irá ver a pessoa, você segue em frente, vira no primeiro corredor, dos sapatos, e quem está lá: Ela mesma, Claudinha do curso.

Sorrisos amarelos, um “Opa, deixa eu passar aqui...”, um apertar de passos e “Ufa!”, você se livrou dela de novo, ainda que ao pesado custo de sua mãe ter ficado sem o sapato. Paciência, alguns sacrifícios devem ser feitos em nome de um bem maior.

E a busca pelo Presente Graal continua. Entra no terceiro corredor, acha exatamente o vestido que sua mãe estava olhando na semana passada, já vai pensando se pega o preto ou o azul e, do nada, como um corte de câmera do Tarantino, advinha quem entra no outro oposto? Exatamente, o inferno de um metro e cinquenta e nove, tênis All Star e camisa escrito “Grunge is not dead”.

Sorrisos de novo, uma chegadinha pra frente, você finge que procura algo que não está encontrando – provavelmente seu autocontrole para não matar a Claudinha – e um comentário paira no ar:

- Ai é lindo, sua mãe vai adorar.

Você concorda, sorri e disfarça. Emenda um comentário qualquer que vai “dar mais uma olhadinha na loja” e some dali. Nem se lembra mais do que veio fazer, só o que está na sua cabeça é a cabeça da Claudinha em uma bandeja, com uma maçã na boca e frios fatiados ao lado.

Dois corredores depois. Cachecóis. Sua mãe vai viajar, tá fazendo frio ultimamente, vai ser isso mesmo. Isso ou a Claudinha amarrada em um espeto besuntada em mel e ursos canadenses soltos numa sala.
Você está lá, entre o roxo e o marrom, tentando escolher entre o “que não faz diferença nenhuma pra você” e o “vai esse aqui mesmo que eu quero ver o jogo da Seleção” quando olha pro lado e quem está lá? Isso mesmo.

Nessa hora você entende perfeitamente os touros e suas bandeiras vermelhas. Você pega qualquer coisa que vê pela frente, sai andando cuspindo vespas e entra na primeira fila que vê pela frente. Só quer pagar logo essa infelicidade de presente e esquecer pra sempre esse dia.

Azar o seu, a fila não é única, existem duas longas filas dos dois lados lados e, bom, deixa pra lá, quero nem dizer que vai te acompanhando, do lado esquerdo do ódio, até chegar ao caixa. E segunda-feira ainda tem curso.

Mas nada, eu disse nada, se equipara a impossível tarefa de receber um presente de um familiar. Reza a lenda que Hércules podia realizar as Doze tarefas ou fazer uma festa de aniversário e chamar todas aquelas tias que “pegaram ele no colo”, “deram o primeiro banho nele” e “trabalhavam com o pai dele no banco”. Bom, vocês sabem o que aconteceu.

O que importa é que até ele deve ter passado alguma vez pela hercúlea tarefa de ter que receber um presente de aniversário e decidir entre pular do penhasco e encarar o leão: Abre na frente da pessoa e esconde a decepção de ter ganho um livro sobre o cinema iraniano? Se faz de muito ocupado, agradece e deixa pra abrir depois ouvindo um “Não vai abrir não?” da pessoa e um “Agradece a ela, meu filho” da sua mãe? Rasga o papel com o dente, incendeia a caixa com uma tocha e sai pulando de paraquedas? Poucos saberiam qual escolher.

O que eu sei é que eu nunca vou aprimorar meus “Demais”, “Gostei muito” e “Nossa, que legal” a ponto de enganar a minha mãe e o olhar dela de “Garoto, ou tu gosta ou tu ama esse presente”, é impossível.


E quer saber, eu vou encerrar esse texto aqui mesmo, assim do nada, antes que eu fique mais sete parágrafos enrolando pra fazer mais uma coisa que eu não sei fazer, que é.