Arnaldo era um sujeito comum, desses que não se repara. Nunca foi de se expressar demais, era calado,
parecia que engolia as palavras em vez de cuspi-las. Passava pela vida à penumbra,
desapercebido, feito um agá antes de vogal. Típico sujeito que usa meias bege.
Vivia sua pacata existência sem saber que um dia, exatamente
neste dia, uma cinzenta terça-feira daquelas que não se espera mais que uma
ligação por engano, teria começo seu maior desengano.
Arnaldo se apaixonou. Linda, exuberante e cheia de curvas, suas
formas eram poesia e mexiam com a alma dele. Cada simples gesto era fenomenal e
tudo era perfeito como um conto. Seu nome era Gramática.
O começo foi como qualquer outra ardente paixão, onomatopeica,
cheia de maiúsculas e com sinais de visível exclamação. Cavalheiro, Arnaldo
fazia questão de trata-la da melhor forma e jamais lhe negava atenção. Andavam
juntos como caneta e papel e o casamento não tardou a chegar. Definitivamente
pareciam feitos um para o outro.
Mas era só impressão. Exigente, Gramática vivia abusando de
travessões para interromper Arnaldo e impor suas opiniões, constantemente
inseria parênteses nas conquistas de Arnaldo e isso sem falar nas frequentes
interrogações sobre porque ele estava fora numa quinta à noite.
Arnaldo tentava de tudo para contornar os acessos de sua
amada. Se fazia de ponto e vírgula pra juntar diferentes grupos de amigos, seus
e de sua musa, se passava por dois pontos para apresentar à ela as belezas da
vida, vivia a rimar sua infinita beleza com a destreza de um menestrel.
Não havia jeito, Gramática não se impressionava. Vivia
colocando aspas nas discussões, dizendo “Arnaldo, os outros falam de você!”. Sempre
insistindo que tudo que o marido fazia era o “ó”, se vangloriava do fato que se
não fosse ela a colocar os pontos nos “is”, Arnaldo teria sido sempre o mesmo
zero à esquerda. Pobre Arnaldo, se tornaria número.
E assim, sem mais nem menos, do belo e concordante começo,
tudo ia perdendo a forma e eles claramente já não tinham mais a mesma métrica.
Arnaldo ainda era apaixonado por sua musa inspiradora e numa
tentativa desesperada, passou a se enfurnar em sebos, procurando pelo frenesi
do início da paixão, andava sempre com papel e caneta no bolso e um dia, num
arroubo de loucura, roubou a letra “S” de um letreiro das Casas Bahia. Era o
sinal de que as coisas rumavam a um ponto final.
Gramática, por outro lado, se tornou cada vez mais
escorregadia, sempre saindo pela tangente, sempre com algumas reticencias.
Certo dia, decidida a pôr um fim na relação, abusou das mesóclises, exclamando
a plenos pulmões que fá-lo-ia se arrepender de enfiar outras pessoas no meio da
relação deles.
E seguindo a ameaça ao pé da letra, abandonou o marido numa mesmíssima
terça-feira chuvosa que deu início à paixão. Dizem os mais místicos que neste
mesmo dia um outro enigmático discurso suicidou Vargas. Por certo era um
trágico dia para os amantes das letras.
E Arnaldo, tal qual um herói grego que prefere atitudes
platônicas, visivelmente capitulou. Já não sorria mais, já não falava mais, nem
o jornal queria ler. Passava os dias na cama definhando.
Voltou a engolir as palavras, não sentia mais vontade de
versar sobre nada, tinha certeza que aquele era o capítulo final. E assim
morreu, tentando pronunciar uma monossílaba, engasgado em uma vírgula, que de tão
pausada se tornou um ponto final.
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