terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Sobre iludidos e ilusões

Ser escritor não é lá tarefa muito fácil. Noves fora todo o mundo editorial, quedas de luz e textos perdidos e traças que insistem em devorar aquele seu exemplar de oitenta e um d’O Padrinho, a cada vez que o escritor se assenta para escrever, barras caem do teto em volta da cadeira e o texto vai assumindo formas grotescas, ora de criador, ora de obliterador. Depende de quem vê.

Os leitores agradeceriam pelo tempo despendido e pelas fantasias e criações colocados em formas de palavras. Pelas sensações criadas, pelos quadros pintados em suas mentes, pela felicidade proporcionada a cada choro ou sorriso e por todos os infindáveis momentos que passaram acompanhados de um livro.

Pelos complexos e apaixonantes personagens, por aquele final de semana chuvoso e frio que você só largou o livro pra comer, e ainda comeu lendo, e por aquela maravilhosa e assustadora sensação que se tem ao terminar um livro e descobrir que agora você precisa voltar à sua vida normal sem ele. Para estes, textos são como asas.

Para os escritores, textos são como pistolas disparadas a cada letra. A cada parágrafo escrito, uma ideia que parecia genial é deixada de lado. Para cada morte que se decreta, uma história de vida deixa de ser contada, para cada rumo que se toma, trinta e nove finais diferentes são assassinados e para cada parágrafo que se inicia, uma sentença começa a ser escrita.

Agora mesmo, escrevendo esse texto, já começo a me lamentar por não ter investido em outras palavras, por não ter inserido um personagem tão sedutor quanto uma morena do leste europeu que tem um perfume de toques amadeirados, por estar te dragando pra essa desilusão junto comigo.

Você não tem culpa, caro leitor, da minha fraqueza sentimental para com meus textos. Não é erro seu querer ler mais alguma coisa que e eu escrevo e você, com certeza, não tem nada a ver com essas lamúrias derramadas em torno dos textos que eu não escrevi.

Todos os exércitos que me escaparam ao escrever um conto de fadas não estavam sob seu comando. Todos os romances que não aconteceram em um faroeste não eram a sua paixão. Todos os heróis que tinham crimes a combater jamais sentirão falta que você vista a sua máscara antes de dormir. Você é sortudo, meu amigo.

Aproveite isso. Aproveite que a cada letra que me sai dos dedos não morra em você aquela história misteriosa sobre um beduíno no Marrocos, sobre um ritual místico em noite de lua cheia em uma tribo Umuarama, sobre as lendas não reveladas de um guerreiro nórdico feroz. Viva a sua vida, vá.

Não me deixe aqui te arrastando pro meu inferno de personagens que eu já matei, já abortei e outros tantos que eu joguei fora simplesmente porque me lembram alguém do meu passado. Fuja, saia já daqui, não se afunde mais nesse limbo literário junto comigo. Corra antes que seja tarde.

Até porque eu posso estar aqui só te iludindo com o meu talento dramático e na verdade tudo o que eu precisava era escrever mais um texto pra semana que vem. E você, que nada tinha a ver com isso, está ai nostálgico de algo que não viveu, absorto nos devaneios depressivos que eu finjo ter porque o texto tem que sair e eu preciso de dinheiro pra viver.

Mas não pense que você foi enganado. Não, é minha função te envolver. E ainda que você me acuse de ter feito você se apaixonar e depois desaparecer, eu não me arrependo. Egos à parte, o mercado editorial anda muito competitivo, o jornal precisa ser prensado e esse texto ainda concorre com mais duas colunas de fofoca, um assassinato a sangue frio e o gol do jogo de ontem.


E por mais que o seu romantismo literário te diga o contrário, ainda não dá pra se alimentar de pão e letras.

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